Um novo artigo de revisão foi publicado na revista Current Opinion in Neurobiology, pelo laboratório Tráfego Neuronal no Envelhecimento, sobre a influência da regulação da proteína precursora amilóide (APP) no processo de envelhecimento.
As duas autoras, Cláudia Guimas de Almeida - investigadora principal do mesmo laboratório - e Tatiana Burrinha falaram-nos da importância desta investigação.
Que descobertas os levaram à investigação descrita na vossa publicação?
Com esta revisão, o nosso objetivo foi integrar os avanços mais recentes na área do tráfego membranar, o transporte de moléculas intracelularmente, da proteína precursora amilóide (APP) nos neurónios, uma vez que este tem uma organização particularmente regulada, complexa e diferente das células não neuronais e não polarizadas. Debruçámo-nos sobre as alterações de tráfego com o envelhecimento porque os nossos resultados recentes em conjunto com o trabalho de outros investigadores indicam que o tráfego intracelular está alterado nos neurónios envelhecidos, o que parece afetar particularmente o APP e a acumulação de beta-amilóide (Aβ) no cérebro do idoso, potenciando o desenvolvimento da doença de Alzheimer.
Porque é que isso é importante?
Apesar de toda a investigação feita na área da doença de Alzheimer, há ainda uma lacuna quanto ao seu tratamento apesar de existirem terapêuticas, com base em anticorpos contra Aβ, a serem testadas em doentes com sintomas. Acreditamos que o mais importante é perceber quais são os mecanismos causais da doença para que se possam desenvolver novas estratégias terapêuticas para retardar ou prevenir o aparecimento da mesma. De salientar que nas formas mais prevalentes da doença de Alzheimer, isto é, de início tardio, os mecanismos celulares e moleculares que levam ao desenvolvimento da doença começam durante o envelhecimento e permanecem por desvendar. A maioria dos nossos neurónios tem a nossa idade, mas não é claro qual o papel do envelhecimento na função destas células.
De acordo com esta ideia, o nosso grupo descobriu recentemente que o tráfego endossomal nos neurónios envelhecidos está alterado, potenciando a internalização do APP e a sua clivagem, produzindo mais Aβ que leva à perda de sinapses. Assim sendo, corrigir os defeitos de tráfego do APP em neurónios envelhecidos poderá ser uma abordagem terapêutica para a doença de Alzheimer.
Podem usar uma analogia para nos ajudar a entender esse campo?
A maioria das pessoas idosas têm rugas, cabelo branco e pouca energia para desenvolver tarefas diárias. Com o envelhecimento, os nossos neurónios também começam a desenvolver “rugas”, as quais podemos apelidar de Aβ. Para além disso, as pessoas idosas tendem a ser mais paradas e tem mais dificuldade de comunicar com quem as rodeia devido a problemas de locomoção e falhas de memória. De forma semelhante, nos neurónios envelhecidos o movimento das proteínas como o APP está alterado e isso tem um impacto na maneira como os neurónios comunicam através das sinapses. Dessa forma, a modelação do movimento do APP nos neurónios envelhecidos poderá ter um impacto na qualidade de vida e saúde mental das pessoas idosas.
Que perguntas ainda precisam ser feitas neste campo?
As questões que ainda precisam de ser respondidas são:
- Como está o tráfego do APP alterado em neurónios humanos envelhecidos?
- Quais são os reguladores do tráfego do APP nos neurónios envelhecidos?
- Como é que os mecanismos de tráfico membranar, usados pelos fatores de risco genéticos para a doença de Alzheimer de início tardio, são alterados no contexto de neurónios, cérebros e organismos envelhecidos?
- Será que o tráfego das enzimas que clivam o APP está alterado com o envelhecimento?
- Qual é, especificamente, o itinerário percorrido pelo APP e pelos seus fragmentos ao longo dos neurónios?
O artigo de revisão "Aging impact on amyloid precursor protein neuronal trafficking" foi publicado e pode ser lindo na Current Opinion in Neurobiology.