Que novo mecanismo celular pode incidir luz sobre as causas da aterosclerose?

Um estudo inovador liderado por uma equipa de investigadores do laboratório de Lisossomas e Doenças de Otília Vieira na NMS revelou um novo mecanismo subjacente à progressão da aterosclerose, uma das principais causas de doenças cardiovasculares em todo o mundo. 

José Ramalho, Otília Vieira & André Marques, 

A aterosclerose, a acumulação de placas de gordura nas paredes arteriais, é impulsionada pela oxidação de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e subsequente acumulação de gorduras/lípidos em macrófagos, resultando na formação de células espumosas. A equipa de investigação, com base na identificação prévia de uma família de lípidos oxidados chamadohemiésteres de colesterol (ChE) no plasma e em lesões ateroscleróticas, propôs-se investigar o impacto de um ChE específico chamado hemiazelato de colesterol em macrófagos.

Os investigadores descobriram que a exposição ao hemiazelato de colesterol levou à formação de lisossomas aumentados, componentes celulares conhecidos como "centros de reciclagem celular", em macrófagos, cheios de lípidos não digeridos e ésteres de colesterol. Verificou-se que estes lisossomas disfuncionais estão mais propensos à exocitose, libertando os seus conteúdos não digeridos para o meio extracelular. Esse processo tem implicações negativas potenciais na progressão da aterosclerose.

Além disso, o estudo identificou a participação de uma família de fatores de transcrição (MiT/TFE), proteínas envolvidas na regulação genética, no mecanismo molecular subjacente a essa transformação. Notavelmente, a presença desses fatores protegeu os macrófagos da toxicidade induzida pelos lípidos.

"As descobertas da nossa investigação lançam nova luz sobre a patogénese da aterosclerose e oferecem perspetivas sobre possíveis caminhos diagnósticos e terapêuticas", afirmou André Marques, um dos primeiros autores do estudo.

A investigação foi publicada na revista Traffic e foi usada como capa da revista de julho.

 

A oxidação de LDL tem sido reconhecida há muito tempo como mecanismo chave da aterosclerose. No entanto, a composição complexa de LDL oxidada, composta por mais de 3000 lípidos bioativos, exige um entendimento mais aprofundado das gorduras específicas responsáveis por desencadear efeitos patológicos. Desvendar o papel do hemiazelato de colesterol e dos lípidos oxidados relacionados ajudará no desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico precoce e terapias direcionadas para doenças cardiovasculares.

Para elucidar todo o impacto desses lípidos oxidados, são necessárias mais respostas. Os investigadores pretendem explorar se outros lípidos da família ChE apresentam efeitos semelhantes ou distintos na aterosclerose. Além disso, planeiam examinar a correlação entre os níveis de ChE no sangue e a probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares, abrindo potencialmente caminho para poderosas ferramentas de diagnóstico preventivo e marcadores prognósticos.

 

Representação esquemática dos lisossomas periféricos aumentados induzidos por ChA em macrófagos. Estes
os lisossomos carregados de lipídios apresentam uma composição proteica de membrana diferente, são disfuncionais e mais periféricos quando comparados aos lisossomas das células de controlo. Após o tratamento com ChA, há acumulação de material não digerido e, por meio do recrutamento de Arl8b e Rab3a, o os lisossomas são translocados para a periferia celular. Aqui, relatamos que estes lisossomas aumentados e com mau funcionamento apresentam uma maquinaria molecular característica dos lisossomas secretores, CD63 e VAMP7, tornando-os mais propensos a fusão com a membrana plasmática. Consequentemente, o o conteúdo não digerido e inflamatório é libertado para o meio extracelular, contribuindo para a progressão do ateroma.

 

Além disso, o estudo abre possibilidades para intervenções terapêuticas, ao demonstrar o potencial de reverter os efeitos prejudiciais do hemiazelato de colesterol através da "regeneração" dos lisossomas disfuncionais. Investigação  futura explorará modelos animais de aterosclerose para avaliar a aplicabilidade destas descobertas em ambiente clínico.

A investigação inovadora conduzida pela NMS, liderada por Otília Vieira, em colaboração com outros grupos da NMS, bem como a Universidade de Coimbra, o Instituto de Oftalmologia da UCL, a Universidade de Sheffield e o Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue (NHLBI), não só avança a nossa compreensão dos mecanismos moleculares subjacentes à aterosclerose, mas também promete o desenvolvimento de intervenções direcionadas para combater esta doença tão prevalente e devastadora. Com as doenças cardiovasculares a continuarem a ser a principal causa de morte em todo o mundo, este estudo representa um passo significativo na batalha contínua contra a aterosclerose.

André Marques, Neuza Domingues, Otília Vieira, Inês Ferreira & José Ramalho

 

O estudo, intitulado " Oxidized cholesteryl ester induces exocytosis of dysfunctional lysosomes in lipidotic macrophages", foi recentemente publicado na revista científica Traffic e pode ser lido aqui: 

Domingues N, Marques ARA, Calado RDA, Ferreira IS, Ramos C, Ramalho J, Soares MIL, Pereira T, Oliveira L, Vicente JR, Wong LH, Simões ICM, Pinho E Melo TMVD, Peden A, Almeida CG, Futter CE, Puertollano R, Vaz WLC, Vieira OV. Oxidized cholesteryl ester induces exocytosis of dysfunctional lysosomes in lipidotic macrophages. Traffic. 2023 May 2. doi: 10.1111/tra.12888. Epub ahead of print. PMID: 37129279.

Otilia V. Vieira
Principal Investigator
André Marques
Junior Researcher FCT Scientific Employment Stimulus
Inês Ferreira
PhD student
Rita Calado
Post-Doctoral Researcher
José Ramalho
Researcher
Winchil Vaz
Senior Scientist
Telmo Pereira
Microscopy Facility Manager
Cláudia Guimas Almeida
Principal Investigator