[Graça Marques, Catarina Homem]
Num estudo recente publicado na revista PLOS Biology, investigadores da NMS liderados por Catarina Homem descobriram que vários genes neuronais começam a ser expressos muito antes de serem necessários aos neurónios e até esse ponto são mantidos em standby.
Graça Marques, investigadora pós-doutorada do laboratório Regulação da Proliferação e Destino das Células Estaminais liderado por Catarina Homem, explicou que na mosca da fruta, a chamada Drosophila, neurónios jovens já apresentam diferenças relacionadas com a idade. Curiosamente, estes neurónios, quando ainda muito jovens já expressam genes necessários para comunicarem entre si, chamados genes neurotransmissores, que só são usados vários dias depois.
Perceber como os neurónios evoluem desde o seu nascimento é extremamente importante para mais tarde podermos, por exemplo, produzir neurónios para serem utilizados em medicina regenerativa. Apesar do estudo das fases iniciais do desenvolvimento neuronal ser essencial era até aqui uma área pouco explorada, e como tal, as investigadoras aprofundaram-no neste trabalho agora publicado.
Para compreender melhor este estudo comparemos o funcionamento do cérebro a uma refeição e imaginemos que uma refeição acabada de confecionar corresponde a um cérebro totalmente formado com o seu circuito funcional completo.
Normalmente, os genes (ADN) são expressos (transformados em mRNA), e depois traduzidos em proteínas e imediatamente desempenham o papel para o qual foram destinados. Isso equivaleria ao cozinheiro ter os ingredientes consigo, prepará-los e confecionar a refeição imediatamente, ficando esta pronta a ser comida.
Neste estudo, os investigadores descobriram que os genes associados a neurotransmissores, genes cuja função será fazer a comunicação entre neurónios, começam a ser expressos logo após o nascimento de um neurónio, mas permanecem à espera durante vários dias, sem tradução para proteínas até um momento posterior, mais próximo do momento em que serão necessários para o bom funcionamento do cérebro. Na versão culinária, este processo funciona como a preparação dos ingredientes que o cozinheiro vai precisar com semanas ou até meses de antecedência, ficando estes armazenados e deixando os preparativos finais, incluindo o cozinhado, para mais tarde, pouco antes da hora da refeição.
Para estudar a maturação dos neurónios e a expressão destes genes os investigadores fizeram a investigação em cérebros da mosca da fruta. Esta pesquisa descobriu que o RNA de genes associados a neurotransmissores de neurónios colinérgicos, glutamatérgicos e dopaminérgicos começam a ser expressos em larvas para serem apenas traduzidos e usados em pupas, estadio da mosca vários dias depois. Como o ciclo de vida de uma Drosophila é muito mais curto, este período de espera equivaleria em humanos a estes genes só serem usados cerca de três anos mais tarde.
Assim como a preparação prévia de refeições pode ajudar a otimizar o tempo e o esforço ao preparar as refeições, esta pode ser uma ótima maneira de otimizar a função cerebral e ter todos os componentes prontos para serem usados rapidamente quando forem necessários. Porque é que estes genes são expressos com tanta antecedência ainda não é claro.
Graça Marques e Catarina Homem acrescentam que ficam perguntas por responder, para serem estudadas no futuro. Nomeadamente: como é que os genes associados a neurotransmissores são mantidos não traduzidos em mRNA, o qual é muito instável, até uma fase específica do desenvolvimento? Ou seja, como manuseamos os alimentos – processamos e armazenamos – para que estejam prontos para serem cozinhados quando quisermos comer? Porque é que o RNA destes genes é expresso com tanta antecedência? Ou seja, porque é que o cozinheiro começa a preparar a refeição tanto tempo antes de a servir? E também, o que desencadeia a expressão de proteínas associadas a neurotransmissores? Isto é, como é que o cozinheiro celular decide quando começar a preparar a refeição, e como o faz?
Este trabalho liderado pela equipa da NMS foi feito em colaboração com Nikolaos Konstantinides (Université de Paris, CNRS, Institut Jacques Monod, Paris, France) e com Patrícia H. Brito (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa).
O artigo completo, Asynchronous transcription and translation of neurotransmitter-related genes characterize the initial stages of neuronal maturation in Drosophila, pode ser encontrado na revista PLOS Biology.